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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Autópsia em mortos por COVID-19 ajuda no tratamento de casos graves da doença.

A tomografia computadorizada do tórax mostra sinais de pneumonia viral (ramificações esbranquiçadas) (imagem: Departamento de Patologia/FM-USP)


Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) estão realizando, por meio de procedimentos minimamente invasivos, a autópsia de corpos de pacientes diagnosticados com COVID-19 que faleceram no Hospital das Clínicas da instituição.

Um dos objetivos do trabalho é coletar e avaliar rapidamente amostras de tecidos pulmonares e de outros órgãos com o intuito de disponibilizar informações que possam ser úteis à comunidade médica do país para tratar os casos graves da doença.

"Estamos compartilhando os resultados preliminares das análises com a equipe médica do Hospital das Clínicas e de outras instituições antes mesmo de publicarmos em revistas científicas, com o objetivo de que os dados possam ajudar no tratamento dos pacientes atualmente internados", diz à Agência FAPESP Marisa Dolhnikoff, professora da FM-USP e coordenadora do estudo que faz parte de um projeto apoiado pela FAPESP.

A ideia dos pesquisadores é correlacionar as constatações que estão obtendo com exames de imagem (tomografias) e com as observações feitas por médicos clínicos ao tratar os pacientes em estado grave.

Dessa forma será possível avaliar se um paciente que ficou mais tempo internado apresenta outras alterações no pulmão ou se as diferentes formas de ventilação mecânica às quais são submetidos em unidades de terapia intensiva (UTIs) causam alterações diferentes no órgão.

"Essa correlação representa um passo fundamental desse estudo porque podem existir diferentes perfis tomográficos, patológicos e clínicos da COVID-19", pondera Dolhnikoff.

"Quando começamos a liberar os dados, fomos imediatamente contatados por clínicos dizendo que as tomografias dos pacientes que estão analisando nos hospitais não são todas iguais. Isso levantou a questão de que pode haver mais de um padrão de comprometimento pulmonar pela doença, por exemplo", aponta a pesquisadora.

Foram feitas, até o momento (03 de abril), seis autópsias de pacientes que morreram por COVID-19, com o consentimento das famílias.

O plano é realizar, no total, entre 20 e 30 procedimentos, que são guiados por um aparelho de ultrassom portátil e utilizadas agulhas, como as usadas em biópsias em pessoas vivas, para ter acesso aos órgãos internos e coletar amostras de tecidos, sem a necessidade de abrir o corpo (leia mais em agencia.fapesp.br/32774/).

Os quatro primeiros casos analisados foram de dois homens e uma mulher, com idade acima de 60 anos e histórico de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, e de outro paciente mais jovem, também com doenças preexistentes. Em comum, a evolução da doença nos quatro casos foi muito rápida – entre quatro e 10 dias.

Os resultados preliminares das análises indicaram alterações semelhantes às descritas por grupos de pesquisadores da China em quatro artigos publicados nas últimas semanas, em que relatam os resultados de séries de autópsias de entre três e quatro pacientes diagnosticados com a doença.

"Há um interesse grande da comunidade médica brasileira nos dados que estamos produzindo porque podem dar respostas mais imediatas para perguntas como quais os impactos causados pelo vírus no pulmão", afirma.

Lesões extensas e múltiplas

As análises feitas pelos pesquisadores da FM-USP corroboram a constatação de que a morte pela COVID-19 é causada por insuficiência respiratória em função de lesões extensas e severas causadas pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, em múltiplas áreas dos pulmões – a síndrome respiratória aguda grave ou síndrome do desconforto respiratório agudo com lesão difusa do tecido pulmonar.

A ação do vírus é predominantemente nas células epiteliais, que revestem os alvéolos pulmonares, participam do processo de troca gasosa – de gás carbônico por oxigênio – e são alteradas ao serem infectadas pelo vírus.

A perda dessas células epiteliais causa uma extensa lesão nos alvéolos pulmonares (bolsas microscópicas nas quais ocorrem as trocas gasosas), denominada dano alveolar difuso. Esse dano compromete a troca gasosa em uma área muito expressiva do pulmão, reduzindo a oxigenação dos tecidos e levando à insuficiência respiratória.

"Observamos que o vírus infecta todo o trato respiratório, mas causa maiores danos nos alvéolos pulmonares", aponta Dolhnikoff.

Nos pacientes que desenvolvem a forma mais agressiva da doença, as lesões são muito semelhantes às que ocorrem na síndrome respiratória aguda grave (SARS) e na síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), ambas causadas por outros tipos de coronavírus, constataram os pesquisadores.

"Analisando as tomografias percebemos que algumas regiões do pulmão são mais afetadas, como as posteriores, e que a infecção compromete, pelo menos, metade do órgão", afirma.

Os pesquisadores também observaram, em um dos casos, pequenos focos de hemorragia na microcirculação pulmonar, associados com microtrombos.

"Esse fenômeno certamente está associado a distúrbios de coagulação já descritos em pacientes que morreram em decorrência da COVID-19", diz Dolhnikoff.

Pneumonia bacteriana

Outra pergunta que os pesquisadores querem tentar responder por meio da correlação das análises dos tecidos com os dados clínicos e de tomografias é se as pneumonias bacterianas secundárias que podem acometer os pacientes em estado grave e complicar o quadro clínico têm relação com o tempo de ventilação a que foram submetidos.

As análises dos quatro primeiros casos mostraram que dois pacientes foram acometidos por uma grave pneumonia bacteriana após a infecção viral. Essa informação foi imediatamente comunicada às equipes médicas.

"É natural que uma infecção viral desencadeie uma pneumonia bacteriana. Mas, no tratamento desses casos graves, essas infecções bacterianas precisam ser rapidamente identificadas e tratadas com antibióticos", ressalta Dolhnikoff.

A ocorrência de duas pneumonias juntas – a viral e a bacteriana – causa sérios danos tanto locais, no pulmão, como sistêmicos, uma vez que começam a circular pelo corpo e lesar outros órgãos.

"A infecção bacteriana tem um impacto enorme na função pulmonar e repercute em outros órgãos, resultando em quadro de sepse [falência múltipla de órgãos] que culmina na morte do paciente", explica Dolhnikoff.

Os pesquisadores não observaram, até o momento, alterações agudas causadas pelo vírus em outros órgãos. As alterações identificadas foram relacionadas à própria sepse ou às doenças preexistentes dos pacientes, como alterações crônicas renais e no coração, relacionadas a hipertensão e isquemia, e acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática) associada a diabetes e obesidade.

Mas, uma vez que dados da literatura médica sugerem que a infecção pelo novo coronavírus não se restringe ao pulmão, com evidências de que é excretado pelas fezes e urina e causa perda de olfato e do paladar, a ideia é analisar o efeito viral em outros órgãos por meio de materiais coletados do coração, rins, fígado, baço, cérebro, medula óssea, músculo esquelético, mucosa nasal e oral.

"A ideia é criar também um biorrepositório de tecidos que possam ser estudados por meio de técnicas avançadas de biologia molecular para identificar possíveis alvos terapêuticos para combater a doença", diz Paulo Saldiva, professor da FMUSP e um dos pesquisadores participantes do projeto.

Fonte: Elton Alisson | Agência FAPESP


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