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         Análises feitas com base em modelos climáticos do período        Plioceno médio (há cerca de 3 milhões de anos) apontam que países        do hemisfério Sul tropical e subtropical, entre eles o Brasil,        poderão enfrentar no futuro estações mais secas. A redução anual        no volume de chuvas pode ser de até 30% em comparação com o atual.
        
        Uma das principais variáveis consideradas para esse cenário é o        aumento médio em 3°C da temperatura do planeta, marca que pode vir        a ser registrada no final do século 21, a partir dos anos 2050,        caso os efeitos das mudanças climáticas não sejam mitigados.
        
        O Plioceno médio, quando ainda não havia registro do Homo sapiens        na Terra, compartilha características com o aquecimento moderno.        Isso porque as temperaturas naquela época ficaram entre 2°C e 3°C        mais altas do que na era pré-industrial (por volta dos anos 1850).        Já as temperaturas da superfície do mar em alta latitude        aumentaram até 9°C no hemisfério Norte, e mais 4°C no Sul. As        concentrações atmosféricas de CO2 também eram semelhantes às de        hoje, em cerca de 400 partes por milhão (ppm).
        
        Essas considerações estão no artigo Drier tropical and subtropical        Southern Hemisphere in the mid-Pliocene Warm Period, cujo primeiro        autor é o doutorando Gabriel Marques Pontes, do Instituto        Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Pontes é        bolsista de doutorado da FAPESP.
        
        O artigo foi publicado na revista Scientific Reports e tem como        segunda autora a professora do IO-USP Ilana Wainer, orientadora de        Pontes. Recebeu também a contribuição de dados de outros grupos de        pesquisadores, incluindo Andréa Taschetto, da Universidade de New        South Wales (UNSW), na Austrália, que é ex-bolsista da FAPESP.
        
        "As simulações mostram que uma das mudanças mais notáveis nas        chuvas de verão do hemisfério Sul na metade do Plioceno em        comparação com as condições pré-industriais ocorre nas regiões        subtropicais ao longo das zonas de convergência subtropical        [STCZs, na sigla em inglês]. Outra mudança está associada a um        deslocamento para o norte da zona de convergência intertropical        [ITCZ] devido ao aumento consistente da precipitação nos trópicos        do hemisfério Norte. A precipitação média total de novembro a        março ao longo das STCZs diminui em ambos os modelos", aponta o        artigo.
        
        E complementa: "Essas mudanças resultam em trópicos e subtrópicos        mais secos do que o normal no hemisfério Sul. A avaliação do        Plioceno médio adiciona uma restrição a possíveis cenários futuros        mais quentes associados a diferentes taxas de aquecimento entre os        hemisférios".
        
        Em entrevista à Agência FAPESP, Wainer explica que o Plioceno        médio é o período mais recente da história da Terra em que o calor        global é semelhante ao projetado para o final deste século. "É        possível colocar dentro desse contexto o que é a variabilidade        natural esperada e diferenciá-la da causada pelas atividades        humanas. Esse tipo de trabalho ajuda a entender como esses        extremos climáticos do passado nos preparam para elucidar cenários        futuros e conseguir trabalhar as incertezas associadas", afirma a        professora.
        
        Já Pontes destaca que, até o momento, não houve nenhuma        investigação detalhada das mudanças nas chuvas do hemisfério Sul        em meados do Plioceno. "Compreender a circulação atmosférica e a        precipitação durante os climas quentes passados é útil para        produzir restrições sobre possíveis mudanças futuras", diz ele.
        
        Impactos atuais
        
        Relatório divulgado em julho pela Organização Meteorológica        Mundial (WMO, na sigla em inglês), ligada às Nações Unidas (ONU),        aponta que a temperatura média global pode ultrapassar 1,5°C acima        dos níveis pré-industriais até 2024, muito antes do prazo previsto        inicialmente pelos cientistas. No mesmo documento, a WMO alerta        que há um alto risco de chuvas regionais incomuns nos próximos        cinco anos, com algumas áreas enfrentando riscos crescentes de        seca e outras com fortes chuvas.
        
        Em março, outro estudo da ONU já havia confirmado que 2019 foi o        segundo ano mais quente da história moderna, terminando com uma        temperatura média global de 1,1°C acima dos níveis        pré-industriais.
        
        Ficou atrás apenas de 2016, quando o El Niño – fenômeno climático        que provoca alterações significativas na distribuição da        temperatura da superfície do oceano Pacífico – contribuiu para um        aquecimento acima da tendência geral. A partir dos anos 1980, cada        década foi mais quente do que as anteriores comparadas à era        pré-industrial.
        
        De acordo com a ONU, as mudanças climáticas já têm provocado        efeitos importantes no ambiente e na saúde da população. Entre os        sinais estão o aumento do calor da Terra e dos oceanos, a        aceleração da elevação do nível do mar e o derretimento do gelo        nos polos. Com isso, o desenvolvimento socioeconômico mundial é        afetado, provocando, por exemplo, migração e problemas na        segurança alimentar de ecossistemas terrestre e marítimo.
        
        Em 2015, 195 países assinaram o chamado "Acordo de Paris", com o        compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e        limitar o aquecimento entre 1,5°C e 2°C, o que não vem sendo        cumprido.
        
        "O aquecimento em 1,5°C, que a ONU vem promovendo medidas para        tentar limitar, já tem consequências significativas. Mas pelas        projeções poderemos chegar a um aquecimento de 3°C até o final do        século, quando começaríamos a ter um comportamento parecido com o        clima do Plioceno médio, obtido na pesquisa", explica Pontes.
        
        O doutorando destaca que a vegetação na época analisada        praticamente não sofria impactos externos. Naquele período, a        extensão da floresta amazônica era maior do que a atual, gerando        mais umidade e ajudando a balancear o efeito do clima mais seco na        região. Mas, com o ritmo atual de desmatamento e queimadas dos        biomas brasileiros, a seca no futuro pode ser maior.
        
        Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais        (Inpe) mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 34%        entre agosto de 2019 e julho de 2020 em comparação ao período        anterior. Foram derrubados mais de 9,2 mil quilômetros quadrados        de floresta em 12 meses. Desde 2013, o desmatamento da floresta        amazônica retomou o ritmo de altas anuais consecutivas, após um        período de queda em relação aos anos 1990.
        
        Além disso, dados do Inpe também apontam que em julho deste ano        houve um aumento de 28% na ocorrência de incêndios florestais na        Amazônia brasileira em relação ao mesmo período de 2019,        considerado o pior em registro de queimadas na região desde 2010.
        
        Nesse contexto, Pontes diz que a relação do clima mais seco com        temperaturas mais altas na América do Sul pode reduzir em até 30%        o volume anual de chuvas. Isso provocaria no futuro um        comprometimento no sistema de abastecimento e gerenciamento dos        recursos hídricos no continente. "Quanto mais conseguirmos mitigar        o aumento da temperatura e a redução da cobertura vegetal mais        conseguiremos contribuir para que as mudanças sentidas na América        do Sul tenham menos impacto para a população em geral", completa.
        
        Levar em consideração mudanças na vegetação é uma das sugestões        feitas no artigo para novos estudos. Nesses, os efeitos do        desmatamento e do aquecimento sendo analisados em conjunto        ajudarão a melhor estimar a possível redução no volume de chuvas        na América do Sul.
        
        O artigo Drier tropical and subtropical Southern Hemisphere in the        mid-Pliocene Warm Period pode ser lido em        www.nature.com/articles/s41598-020-68884-5.
      
Fonte: Luciana Constantino | Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.





 
 
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